2007-06-29

Poder-se-à não gostar de poesia?
Para mim, Florbela é o mais belo poema que eu pudera sonhar.


"Ódio por ele?Não... Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se á vida assim roubei todo o encanto.

Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar,marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado,
Como um soturno e enorme Campo Santo.

Ah! Nunca mais amá-lo já é bastante!
Quero senti-lo d'outra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!

Ódio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda.
Ódio por ele?Não... Não vale a pena"

Florbela Espanca
"... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente.
Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros.
Comigo caminham todos os mortos que amei,
todos os amigos que se afastaram,
todos os dias felizes que se apagaram.
Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."

Miguel Sousa Tavares

2007-06-28

O meu blogue

Onze horas da noite.
Estou cansada. Preciso deitar-me e recuperar o fôlego que diariamente me é roubado na azafama quotidiana.
O meu filho já adormeceu e a casa está silenciosa.
Os meus passos ecoam no soalho da sala. Creio ser este o único momento do dia em que me consigo ouvir. Oiço os meus passos, os meus pensamentos e as minhas necessidades enquanto pessoa.
Adio o meu cansaço com a recompensa de um desabafo escrito. Ligo a Internet e acedo ao meu blogue. Escrevo incessantemente, oculta num espaço partilhado e não identificado. Aprecio este disfarce no qual me revelo sem máscaras, e sem medos.
Concluo que sou uma farsa, pois nem os amigos mais íntimos descobrem a minha identidade quando vasculham os pormenores dos meus sentimentos diários transcritos com autenticidade.
É ali que choro com palavras amarguradas quando tenho vontade. Mas, também, onde solto a gargalhada mais estridente perante a estupidez dos outros, que calo no mundo real.
Quando criei o meu blogue não sabia que conteúdo iria escolher para o mesmo. Optei por colmatar a falta de espontaneidade que pauta a minha vida com posts reveladores da minha verdadeira essência. Este escape apoderou-se de todos os anoiteceres como um ansiolítico perfeito, que abuso da prescrição.
A rotina e o desejo de o fazer é o que me impele para esse espaço que conduz a minha escrita e rumina a minha vida. Todas as noites, preciso desse momento como uma viciada.
Leio as criticas publicadas, percebendo que muitos leitores se identificam nas palavras que redijo, que outros reflectem com elas, e que, felizmente, alguns discordam totalmente do meu discurso impensado. São esses que entendem que escrevo como uma louca, despejando tudo o que tenho na alma, como se não houvessem limites ou regras nesta vida. A verdade, é que nos blogues não há.
Por isso é que surgem em catadupa milhares deles. Alguns apresentam infindáveis erros ortográficos, noutros a qualidade deveria ser impeditiva para que existissem, mas todo o indivíduo tem direito a ser autor de um ou mais blogues.
As pessoas estão ávidas por poderem expressar o que lhes apeteça sem serem julgadas ou descriminadas, de terem os mesmo direitos que os contíguos, nesta sociedade de diferenças, e de poderem ser, verdadeiramente, donas e dominadoras de alguma coisa nas suas vidas.
É assim que a blogosfera cresce em todas as direcções.
Há blogues individuais e colectivos. Há blogues de vidas, de política, de viagens, de piadas e de imagens. Há blogues pérfidos, fanáticos, carismáticos, aletófilos ou aleivosos. Há blogues de amigos e de desconhecidos. Em suma, há blogues para todos os gostos.E há, também, o meu humilde blogue: recente, por vezes, pobre em conteúdos, mas, sempre, o meu cantinho secreto, o meu porto seguro, o meu pequeno mundo paralelo, com as cores e as formas que anseio num crepúsculo emocional antes de um sono velado.

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Violência Doméstica



Mais um dia
Ainda respiro
Mesmo que deseje morrer
Ou que queira fugir
A falta de coragem
Impede-me de partir

Paralisa-me o medo
Imobiliza-me o receio
Sofrendo em segredo
Com o julgamento alheio

A violência que existe
Sinto-a no corpo
E num lábio a sangrar
No meu intimo persiste
A ânsia de denunciar
Mas permaneço calada
Sem um lágrima verter
Aguentando a pancada
Sem a tentar perceber

Disfarço todos os dias
Em que sou maltratada
E esses disfarces patetas
Em que ninguém acredita
Calam a minha vergonha
Assim sendo, ela não grita

E sem entender
Porque não posso chorar
O meu corpo se entristece
Pois nem eu o sei amar

E é num grito profundo
Quando a pancada me matar
Que hei-de deixar este mundo
E encontrar o meu lugar

2007-06-27

"Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim
Mas se for, saiba ser sem se desesperar
Desejo também que tenha amigos
Que mesmo maus e inconseqüentes
Sejam corajosos e fiéis
E que pelo menos em um deles
Você possa confiar sem duvidar
E porque a vida é assim
Desejo ainda que você tenha inimigos
Nem muitos, nem poucos
Mas na medida exata para que
Algumas vezes você se interpele
A respeito de suas próprias certezas.

E que entre eles
Haja pelo menos um que seja justo
Desejo depois, que você seja útil
Mas não insubstituível
E que nos maus momentos
Quando não restar mais nada
Essa utilidade seja suficiente
Para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante
Não com os que erram pouco
Porque isso é fácil
Mas com os que erram muito e irremediavelmente
E que fazendo bom uso dessa tolerância
Você sirva de exemplo aos outros

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais
E que sendo maduro
Não insista em rejuvenescer
E que sendo velho
Não se dedique ao desespero
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor
Desejo, por sinal, que você seja triste
Não o ano todo, mas apenas um dia
Mas que nesse dia
Descubra que o riso diário é bom
O riso habitual é insosso
E o riso constante é insano.
Desejo que você descubra
Com o máximo de urgência
Acima e a respeito de tudo
Que existem oprimidos, injustiçados e infelizes
E que estão bem à sua volta
Desejo ainda
Que você afague um gato, alimente um cuco
E ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal

Porque assim, você se sentirá bem por nada
Desejo também
Que você plante uma semente, por menor que seja
E acompanhe o seu crescimento
Para que você saiba
De quantas muitas vidas é feita uma árvore
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro
Porque é preciso ser prático
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele na sua frente e diga:"Isso é meu"
Só para que fique bem claro
Quem é o dono de quem

Desejo também
Que nenhum de seus afetos morra
Por eles e por você
Mas que se morrer
Você possa chorar sem se lamentar
E sofrer sem se culpar

Desejo por fim
Que você sendo homem, tenha uma boa mulher
E que sendo mulher, tenha um bom homem
Que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes
E quando estiverem exaustos e sorridentes
Ainda haja amor pra recomeçar

E se tudo isso acontecer
Não tenho mais nada a lhe desejar"


Victor Hugo

Elogio ao Amor

"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza.Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade.Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão.Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito.Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido.Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama.Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo".O amor passou a ser passível de ser combinado.Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem.A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível.O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos,bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha.Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso.Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice,facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor.É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz.É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino.
O amor puro é uma condição.Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma.É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária.A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre.Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente.O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz.Não se pode ceder. Não se pode resistir.A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um minuto de amor pode durar a vida inteira.E valê-la também."

Miguel Esteves Cardoso

2007-06-25

Um só olhar

Hoje, olhaste para mim com um olhar de amor
Há quanto tempo não via esse olhar...
De amor que morria em mim
E que para ti era indiferente

Hoje, aqui estou, indigente
De afecto, de sentimentos
Numa vida de contratempos
Dum amor que tanto quis
E que jamais me fez feliz

Hoje, olhaste para mim com um olhar de amor...
Mas eu já estou na descida
A caminho de outra vida
Duma porta ainda trancada
Por mim pouco desejada

Sinto que tenho que partir
Pois nesta vida onde tu existes
Os meus olhos ficam tristes

Pois só, hoje, em muitos anos
Na verdade dos enganos
Me olhaste com amor...

2007-06-21

Sem Rumo

Entrei em casa
Pela mesma porta de sempre
Pensei que me habituava
A sentir-te ausente

Mas não consigo
Não me sinto capaz
De voltar à vida
Sabendo que tu não estás

“Outros amores hão-de vir
Ainda serás feliz”
É o que se diz...
Não me sinto capaz
Sabendo que tu não estás

Adormeço e acordo
E o teu cheiro ali está
Mas já não me recordo
Do beijo que me dás

O tempo passou
E não volta atrás

A vida acabou para ti

E eu fiquei assim
Sem rumo, sem estrada
Sem vida, sem nada

O teu sorriso eu não esqueço
O teu abraço não volta
Em mim existe uma revolta
Quero-te viva...não morta

2007-06-19

A minha rua

Olho as pedras da calçada,
Gastas e polidas
Guardam experiências suas
Contam histórias vividas
dos que passam nas suas ruas

Não as contam por contar
Mas sentimo-las ao ali estar
Que as sabem, que cada uma sente
...a história da sua gente

E pisamo-las
Maltratamo-las
Sem que elas se indignem
Continuando leais,
Fieis às nossas estórias banais

E, hoje, pela vida pisada
Pela idade maltratada
Percebo as pedras da calçada

Olho-as com compaixão
Fujo do meu mundo...
Mas, elas não.

Momentos

Ontem fiz amor com o meu Amor,
Deitou-se a meu lado e beijei-lhe a pele,
Senti-lhe o cheiro,
Falei-lhe ao ouvido
Ai que saudades, por vezes, tenho
de fazer amor com o meu Amor
De sentir que somos amantes para além da paixão
que os nossos corpos partilham quando rolam no chão

Não falámos muito,
Mas creio que no silêncio ficaram as coisas que haviam para dizer...
Ambos sabemos que nos amamos
Ambos sabemos que não tem sido fácil
Ambos sentimos que desta vez poderia ser até nunca mais
Ambos sabemos que devemos tentar fazerTudo aquilo que ficou por dizer....