2007-07-26

Infância adiada

Os que me julgam nada sabem
E não me interessa o julgamento
Vivo a vida como quero
Desviando o pensamento
Desse terrível momento
que me roubou a alegria:
Uma violação calada
numa infância adiada
consome-me a cada dia.

Nunca chorei uma perda
Nunca sofri por amor
Encaro cada vereda
Mais um caminho na dor

Nunca consegui chorar
O momento que vivi
Mas queria não acordar
Ou viver longe de mim

Mais tarde,
velha e cansada
Mas, para sempre, angustiada
Espero a morte com amor.

E quando a terra caiu
e o meu caixão ruiu
abandonou-me a vergonha
da criança que não sonha
Foi, então, que percebi
Pois uma lágrima vi
na minha face a escorrer...

E já de olhos fechados
Com os pés e mãos atados
No dia em que para todos morri
Foi quando, para mim, renasci

2007-07-25

A minha escrita

Num canto provoco o choro
Perscruto a emoção trancada
À solidão não recorro
Mas ela é minha aliada

Queria tanto conseguir chorar
Ver a minha tristeza a lume
Mas esta forma de estar
Não me permite o queixume

Resigno a minha existência
Em passar despercebida
A minha sobrevivência
Depende de ser esquecida

Nunca pensei em morrer
Mas vivo sem convicção
Sempre tentando esconder
Que me mata a solidão

Sozinha, sem companhia
Pensando que aos poucos morria
Na ânsia de me salvar
Comecei a versejar
Passando os dias a escrever
Descobri neste prazer
A vontade de sonhar
A alegria de viver

2007-07-24

Teia

Todos os dias chorei a tua perda
Mas todos os momentos rezei para que não voltasses
Todas as noites sonhei com os teus beijos
Mas não desejei que regressasses

A imagem que de ti guardo é mais estável
Não me violenta os dias
Não me prende numa teia detestável

Insegura e perdida eu me mantive
Num tecer de fios inseguro
Num amor que se sabe sem futuro

Magoaste a minha alma sem receios
Eu amei-te e perdi-me em teus enleios

Sei que pensas que um dia hei-de ceder
Pois magoar-me dá-te prazer

Mas, agora, sem ti neste meu mundo mais sincero
Sei que te amo, mas não te quero

E se me ouvires gritar
Não precisas entender
Apenas te quero expulsar
Apenas me quero amar
Apenas te quero esquecer

2007-07-23

Amanhecer

Os nossos corpos estavam nus sobre a areia
A noite cintilava para nós
E amámo-nos a uma só voz
Num grito de prazer
Também o dia podia acontecer

Mas permanecemos no escuro
Num caminho nem sempre seguro
E na descoberta de cada contorno
Numa noite sem retorno

Ao ouvido, cantaste-me a mais linda balada
Que por mim fora sonhada
Adormeceria nos teus braços para sempre
Se não me roubasses o meu sonho, de repente

Contaste-me como essa canção era tão especial
Pois de outro alguém era um memorial
E sem perceberes porque eu sofria
Foi quando para mim nasceu o dia


2007-07-06

Lágrima


Olhaste os meus olhos rasos de água
Menosprezaste o meu sentimento com um insulto
Pouco entendeste da minha mágoa
Do meu amor querias apenas um vulto

Dei-te tudo o que tinha
Muitas vezes mais do que podia
A minha alma gritava
Mas eu já não a ouvia

Centrada em te fazer feliz
Morria lentamente
Sem perceber porque quis
Ser tua eternamente

Mas os meus olhos choraram
E tu sorriste ao vê-los assim
Eles que tanto te amaram
E que sofreram por ti

Mais uma lágrima caiu
Mas tu nem a notaste
Sorriste, nem a aparaste
O ombro que eu molhei
De quem quis chorar comigo
Foi o mesmo que abracei
Num sonho para ele antigo

E quando travei o choro
Foi quando pude entender
Um amor que eu nem notava
Pois a visão me toldava
A possibilidade de ver

Xadrez


Um menino perdido
Num adulto inseguro
Um sorriso escondido
Na expressão de um duro

Foi assim que te vi
Na primeira abordagem
Um rapazinho escondido
Num adulto selvagem

Foi assim que te quis
Foi assim que te amei
Era assim que tu eras
Quando me apaixonei
Mas fugiu o menino
Com medo de ti
Ficou demais pequenino
E eu desapareci

Cumpriu-se a promessa
Que em tempos fizeras
Que eras um insensível
E eu julguei que não eras

Queimei-me com o fogo
E muito me doeu
Para ti era um jogo
E o peão era eu

Retirei a minha peça
Para que não me maltrates
Joga sozinho o teu jogo
E vence com xeque-mates

2007-07-05

Aborto


Ponho a mão no meu ventre
E ainda não se sente
Queria muito ter tempo para te amar
Queria te poder explicar

Saio de casa sem convicção
Correndo para não pensar
Entro no consultório
Ainda que a hesitar

Perguntam-me: “Tem a certeza?”
E eu choro a amarga tristeza
Perguntando-me porque vim
Somente, digo que sim

Entro e visto a bata
Tentando manter a firmeza
Num espaço que me mata
E ao qual me sinto presa

Tudo acabou em minutos
Nunca me irei perdoar
De não sentir os teus chutos
Ou ouvir o teu chorar

E desta sala tão fria
Saio sozinha e sem ti
Que te amava eu não sabia
Só, agora, que te perdi

Mas não há como voltar
Pois, neste momento, estás morto
E viverei com a culpa
De ter feito o teu aborto

Desilusão

A desilusão habita em mim
Do sonho que tive
Da vida que julguei possível
Dum amor que não se concretizou

A última imagem que de ti guardo
É de te ouvir a gritar
Para mim, um som distante
Como que um sussurrar

Os teus gritos perderam volume
Mesmo que mantivesses o mesmo tom agressivo de sempre
A distância que me separava de ti, agora, era diferente

Ouvi-te vociferar
Tentavas magoar-me com palavras
Que, outrora, me fizeram chorar
Mas os teus gritos
Agora, eram um leve murmurar

Não olhei para trás quando saí
Não fiquei triste
Mas chorei sem entender que chorava por o meu amor morrer.

2007-07-04

Baú



Presas nos escombros do passado
As lembranças estão sujas
postais e fotografias fechados,
impedidos de quaisquer fugas

Num baú perdido e velho
Forrado com um pano vermelho
Encerrei a nossa história
Da qual não quero memória

Desejava fechar o meu coração
Como ao baú no porão
E voar como uma ave
Para longe dessa cave

O baú está encerrado
E nele todo o nosso passado
Mas não consigo parar
A dor que me invade o peito
E que suporto sem jeito

Fechar tudo é utopia
Não consigo, mas bem o queria

E neste meu presente incerto
Tenho um coração fechado
E um baú semi aberto

Reflexos




Olhei-me ao espelho,
não me reconheci
Os olhos inchados
A tez branca
Uma expressão inexorável
Reflexo duma noite mal dormida
Dum choro intenso
Duma depressão lastimável

Lavei a cara
Voltando a olhar para mim
Reflexo do que já fui
Foi só o que vi

O meu mundo parou
Quando te perdi
A cama, o meu aconchego
A solidão, o meu abrigo
Na ausência que suportei
Dum amor desaparecido

Olhei ao espelho
E verti uma última lágrima
Abri a janela
e respirei bem fundo
Soltei um grito
E ganhei o mundo

Parti o espelho
Parei o choro
Voltei à vida
Por amor...não morro!

2007-07-03

Viagem da vida

Sentada no avião
A janela pequena
O barulho de fundo
Uma pena suspensa
A de habitar este mundo

Na revista que leio
Na carta que escrevo
Habitando com o receio,
meu fiel servo

O avião que aterra
Numa cidade distante
Onde quem sabe me espera
Mais um fiel amante

Numa vida vazia
Com paragens incertas
Procuro momentos
E não sentimentos
Pois amor é fugaz
e rouba-nos a paz

Não encontrei o que quis
Tal como o imaginei
E permaneço infeliz
Sem o amor que tranquei

Numa vida que julguei escolhida
Tornei-me uma pessoa sofrida
Uma mulher amarga
Em que a minha dura carga
É tudo o que não sofri
Nesse amor que não vivi

2007-07-02

Grito

Recomeçar
Partir e voltar
Sem nunca sair do lugar

É assim o meu caminho nesta vida
...sempre perdida
Não me consigo encontrar
Não conheço o meu lugar

Lanço um grito baixinho
De ajuda que suplico
Mas tu sais depois dum beijo
Quando as minhas lágrimas caem sem pejo
Não ouviste o meu pedido
O grito não foi sentido

Fico triste ao perceber
Que ninguém me há-de escutar
Pois se não for eu a vencer
Nunca hei-de triunfar


Do que eu fui trago a saudade
Trancada sem liberdade

Abro os braços
Abraço a lua
E grito: “Sou tua!”
E nesse grito insano
Sorrio
e sobe o pano

Gritando como uma louca
Grito até ficar rouca
Conquisto a minha verdade
Exumando a ansiedade

Num segundo, sinto a mudança
No meu peito nasce a esperança
De me poder encontrar
Para me saber amar